Sobre Reorganização Administrativa Territorial Autárquica,

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Exmº Senhor Presidente
Exmos. Senhores Membros da Assembleia
Exmos. Membros da Câmara Municipal


A análise e discussão da proposta de Lei nº 44/XII, designada por Reorganização Administrativa Territorial Autárquica, é, muito provavelmente, um dos maiores embustes a que assistimos desde o 25 de Abril de 1974.
Trata-se de um processo recheado de hipocrisia e de cinismo políticos, por quanto simula a auscultação das autarquias através de um mecanismo viciado, fictício e ultrajante. Senão, vejamos:
- Aos municípios, através das Assembleias Municipais, é solicitado que se pronunciem sobre a extinção de freguesias do seu concelho (e é disso que se trata, extinguir freguesias, sob a linguagem sinuosa da agregação), mas sem conferir aos representantes das populações a capacidade de avaliarem a pertinência local e regional dessa extinção, já que a Proposta de Lei traça previamente critérios rígidos e inflexíveis que conduzem à finalidade pretendida – fazer desaparecer 1/3 das freguesias do país;
- Por outro lado, e num evidente ato de cobardia política, o governo e a maioria de direita que o suporta, após definirem a régua e esquadro um país mais deserto e empobrecido, através da definição das freguesias a extinguir, vêm exigir aos municípios que sejam eles a identificar as freguesias que a legislação extingue, passando para as Assembleias Municipais a obrigação de emitirem o atestado de óbito sobre freguesias que o governo já liquidou.

Com esta proposta todas as freguesias (e não apenas as que cabiam nos critérios anteriores do dito Livro Verde), passam agora a ser teoricamente elimináveis. A “competência” dada aos órgãos municipais – denominada de «pronúncia» no texto do diploma – é meramente teórica, dado que a decisão que viessem a tomar só seria levada em consideração se correspondesse aos objetivos de redução previamente decididos pelo Governo. A «pronúncia» a efetuar nos 90 dias subsequentes à aprovação da lei pela Assembleia da República, será examinada por uma “Unidade Técnica” criada no parlamento e poderá ser recusada caso não concretize os objetivos determinados. Nessas situações, será esta comissão técnica que estabelecerá a nova organização administrativa dando mais 15 dias à assembleia municipal para se pronunciar de novo e, se o entender, apresentando projeto “alternativo” (desde que coincida naturalmente com os objetivos do governo).
Para além dos inúmeros atentados à ética e à decência, que já atrás referi, este processo maquiavélico incorpora também uma componente de chantagem – o aliciamento com 15% de majoração para as freguesias “agregadas” – que o Governo, e os partidos que apoiam a liquidação das freguesias, procurarão usar como elemento de pressão com base no cínico argumento de que quem não se conformar com o processo não o impede, acaba extinto e condena as que vierem a ser agregadas no seu território a perder os 15% de majoração (válida para um mandato).

Seguramente, conhecemos centenas, diria até, quase milhares, de tomadas de posição de diversos órgãos autárquicos do nosso país — câmaras municipais, assembleias municipais, assembleias de freguesia, juntas de freguesia. Todos rejeitaram esse documento «verde», rejeitaram estareforma da administração local. Também no nosso concelho, duas das freguesias a quem o governo já antecipou o desaparecimento (Alcafozes e Proença-a-Velha), através dos seus representantes legítimos, as Assembleias de Freguesia, manifestaram a sua indignação e repúdio por essa pretensão e intromissão do Poder Central. Esta mesma Assembleia Municipal, na sua sessão de Setembro de 2011, aprovou por ampla maioria, só com quatro abstenções na bancada do PSD (mas que verbalizou acordo com a posição da Assembleia), uma Moção em que se contesta esta intenção de atentar contra as freguesias e, por essa via, contra o Poder Local democrático e a sobrevivência de muitas regiões do território nacional.

É por demais evidente que a Proposta de Lei que o enviou à Assembleia da República não teve em conta a opinião e as contestações provenientes de todo o país e dos mais variados setores político-partidários representados no Poder Local. Se o governo tivesse dado ouvidos às populações e aos seus representantes, esta simulada auscultação não teria razão de ser, pois os pareceres e opiniões da esmagadora maioria das autarquias já foram emitidos.
O Sr. Ministro Relvas, que lidera este e outros processos de retrocesso político e civilizacional no país, teve eco de tal contestação quando se deslocou ao congresso da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), onde o seu partido tem um número significativo de representantes, e foi recebido comvaias e assobios, exatamente porque a proposta não vai ao encontro das vontades das populações e dos interesses do nosso país

O Poder Local é herdeiro de tradições centenárias (como acontece com as freguesias do nosso concelho que o governo quer aniquilar) em cuja matriz sobrevivem elementos essenciais da identidade comunitária à escala local e a própria identidade nacional é o resultado dessas múltiplas diferenças culturais.
A “reforma” pretendida pelo PSD e CDS traduzir-se-ia, a ser levada a cabo, em prejuízos para as populações; em mais abandono, desertificação e assimetrias regionais; em menos atenção e investimentos locais indispensáveis à vida económica e social dos territórios abrangidos; em enfraquecimento da defesa de interesses da população e de representação dos seus direitos; em menos participação democrática.
Com esta Proposta de Lei, tal como muitas outras medidas que vêm prejudicando o país, querem impor o pacto de agressão assinado com a dita Troika como se fosse a nossa Constituição. Mas a nossa obrigação, enquanto País independente e com séculos de história, é para com a Constituição portuguesa, que consagra os direitos e o poder local democrático, que foi uma conquista da Revolução de Abril de que alguns agora se querem vingar.

Em relação ao Livro Verde, anova proposta do governo, apesar de substituir alguns conceitos como ”critérios” por “parâmetros”, contém os mesmos objetivos, nomeadamente:
a)    fixa quotas de redução de freguesias que obrigatoriamente têm de ser concretizadas;
b)    Atribui a “competência” para decidir em concreto sobre a redução às assembleias municipais ou, dito com mais rigor, convidam-se os órgãos municipais a serem promotores diretos da liquidação de freguesias em obediência ao que o governo previamente estabeleceu e determinou;
c)     Cinicamente, atribui-se às assembleias de freguesia o poder de emitir pareceres que «quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos no presente diploma», devem ser ponderados pela assembleia municipal, ou seja pareceres que só contam se corresponderem a certidões de óbito adotadas por iniciativa própria.

A questão que deve ser contestada não reside nos critérios, mas sim nos objetivos. Foi este entendimento que conduziu à orientação, comprovadamente justa, de recusar um debate aprisionado na bondade ou coerência dos critérios (distâncias, população, tipologias, etc…) e de nos fixarmos na denúncia dos objetivos e consequências da ofensiva do governo, como sejam:
Empobrecimento democrático (traduzido na redução de mais de 20 mil eleitos);
Ataque ao emprego público (milhares de trabalhadores das freguesias extintas cujo destino futuro será o despedimento ou a mobilidade);
Enfraquecimento da afirmação, defesa e representação dos interesses e aspirações das populações que a presença de órgãos autárquicos assegura – cuja consequência será a do aprofundamento das assimetrias e perda de coesão (territorial, social e económica);
O abandono ainda maior das populações, por desaparecimento dos serviços públicos básicos de proximidade e a ausência de resposta aos interesses populares e à satisfação das suas necessidades;
O acentuar da desertificação e dos desequilíbrios territoriais nas suas mais variadas expressões.

Mais do que uma séria preocupação sobre a organização administrativa do país – que a existir conduziria desde logo à indispensável criação de Regiões Administrativas – o que se visa com o projeto de “racionalizar” é extinguirfreguesias e concelhos, e estes estão já na mira do ministro Relvas, como ainda esta semana voltou a referir.
É a qualidade da democracia e também a qualidade de vida das comunidades locais que são os alvos diretos deste objetivo. Medidas eobjetivos inseparáveis de outros como os de alteração às leiseleitorais ou o da ofensiva em curso contra a autonomia financeirae administrativa do poder local.

Os argumentos usados para justificar esta ofensiva contra o Poder Local são falsos e visam confundir a opinião pública através da repetição de mentiras ou da deturpação dos fatos.
Ao contrário do «reforço da coesão»,referida nos motivos da Proposta de Lei, o que daqui resultará são mais assimetrias e desigualdades. Os efeitos dos processos de aglomeração são, como comprovadamente se conhece, adversos à coesão. Juntar as freguesias mais fortes, mais ricas ou com mais população com as mais fracas ou menos populosas traduzir-se-á em mais atração para as primeiras (as que sobreviverão como freguesias) e mais abandono das segundas (as que serão liquidadas). Ou seja, mais abandono, menos investimento local, menos coesão para quem menos tem e pode.
Em vez de «ganhos de eficiência e de escala» que resultaria da «libertação de recursos financeiros», como se refere na Proposta, o que se terá é menos proximidade e resposta direta aos problemas locais com menos verbas e menos recursos disponíveis. No seu conjunto, o nível freguesias da administração local terá, de fato, menos verbas (o pacto de agressão prevê novo corte dos montantes a distribuir ao poder local,em 2013). As chamadas majorações (de 15%) para as freguesias “agregadas” sairão do montante global do FFF (Fundo de Financiamento das Freguesias), ou seja, serão retiradas ao montante destinado ao conjunto das freguesias; e mesmo as prometidas novas competências próprias das freguesias seriam construídas financeiramente à custa das verbas dos municípios.
Em vez da enunciada «melhoria da prestação dos serviços públicos» proclamada no preâmbulo da proposta, resultarão novos territórios, muitos deles distantes da sede das novas freguesias, desprovidos do único espaço de proximidade capaz de dar resposta mínima a um conjunto de solicitações e necessidades – a junta de freguesia.
A eliminação administrativa de freguesias e municípios, com base em critérios de economicismo oportunista, irá sempre fundamentar-se na rarefação demográfica, quando, ao eliminar autarquias e serviços, mais se acentuará o êxodo populacional e a desertificação humana;
A extinção de freguesias (e de municípios, como já se avizinha), para além dum atentado à vida e representação democráticas, é umpasso mais na desertificação do interior do país, na degradação devastas áreas do território nacional e no agravamento das jádeficientes condições de vida.

Os contabilistas de mercearia, que parecem ser quem tem gerido os nossos recursos públicos, alcançarão um corte ridículo na despesa pública, mas os economistas, se ainda restam alguns (já que os que têm tido visibilidade e poder levaram o país ao estado em que se encontra – mas enriqueceram quem lhes paga), dizia eu, que os verdadeiros economistas irão assinalar custos acrescidos com deslocações e tempo de trabalho perdido para os cidadãos e, logicamente, para a economia do país, além do definhamento de pequenas economias locais que subsistem.
Os autarcas que o sejam de verdade, esses não podem deixar de pressentir as dificuldades e os problemas daquelas pessoas, com fracos recursos, a quem fecharam os correios, o posto médico, a escola e, agora, a junta de freguesia.

Contra a crise é necessária mais democracia, mais e maior participação dos cidadãos, maior proximidade e transparência da administração e não menos pessoas públicas, menos órgãos eleitos,menos cidadãos a decidir sobre a coisa pública, mais distância entreadministradores e administrados, mais secretismo nas decisões.
No nosso entendimento, o poder local democrático deve seguir o caminho de ir ao encontro do espírito e dos princípios consagrados na nossa Constituição de respeito pela sua autonomia, de respeito pela justa repartição dos recursos entre a administração central e a administração local. E, de uma forma global, o poder local democrático deve continuar, como fez até aqui, a contribuir para o desenvolvimento local e para o desenvolvimento do nosso País!
A seriedade e coerência de qualquer reforma da organização administrativa que se pretenda eficaz deve considerar prioritariamente a criação das Regiões Administrativas e não a extinção de freguesias ou municípios.

Entendemos que a pronúncia por parte desta Assembleia Municipal nunca deverá estar sujeita à chantagem ou levá-la a adotar uma posição de alinhamento cúmplice com a legislação que nos querem impor, ignorando posições já aqui assumidas e contrariando os pareceres que algumas freguesias aqui fizeram chegar sob a forma de moções aprovadas por unanimidade nas respetivas assembleias de freguesia.
Enviar à Assembleia da república uma lista que faça exatamente o que o governo pretende, ou seja, colocar o nome de freguesias a extinguir que a proposta de lei já aponta, seria uma conivência inaceitável com este processo de imoralidade politica. Mais que isso, seria uma traição a quem nos elegeu e às freguesias e populações que, mesmo definhando demograficamente, ainda conseguem sobreviver até que alguém, como agora o governo pretende, lhes dê a machadada final. Que não sejamos nós, enquanto eleitos num órgão do Poder Local democrático a pactuar com esta asfixia das populações.

Entendemos que só existe uma posição de honra e verticalidade na defesa do nosso concelho e, por abrangência, no combate à desertificação e aos desequilíbrios territoriais do nossos país: a recusa de envolvimento num processo que não só contribuiria para trair a resistência e o protesto das freguesias do nosso concelho, fazendo de nós cúmplices dos objetivos do governo, promotores diretos da liquidação das freguesias e fatores de ilibação, de facto e na prática, das responsabilidades políticas deste governo.
Assim, creio que para conciliarmos uma posição digna com a formalidade do disposto no número 4, do artigo 10º da Proposta de Lei nº 44/XII, esta assembleia só terá uma pronúncia possível: incluir todos os elementos solicitados de acordo com a manutenção das freguesias existentes e, na nota justificativa, fundamentar essa pronúncia nos objetivos e princípios da Proposta de Lei (artigos 2º e 3º), que são contraditos pelos parâmetros impositivos da referida Proposta, bem como nos pareceres que nos chegaram das Assembleias de Freguesia.
Para os mais conformistas ou temerosos, é necessário destacar o papel de resistência cívica que algumas vezes temos de assumir, infelizmente, por força do que nos é imposto, opção cada vez mais necessária.

No entanto, convém ter claro que, mesmo numa visão estritamente regulamentar, o pior que poderá resultar desta pronúncia é a agregação forçada das freguesias por imposição da Unidade Técnica constituída pela maioria PSD/CDS. Ora, se tal vier a suceder, e esperemos que a contestação por parte da esmagadora maioria dos municípios impeça a continuidade do processo, mas se tal vier a suceder, esta Assembleia Municipal sai com dignidade deste processo, obrigando o governo e os seus acólitos a darem a cara e assumirem a extinção das freguesias.
Para além disso, as interpretações que podem ser feitas do número 1 do artigo 13º da Proposta de Lei, poderão conduzir a um prolongar do processo, arrastamento que manterá vivas, mesmo que por pouco mais tempo, freguesias que têm história e passado e a que só estas políticas de revanchismo e de retrocesso poderão retirar o futuro.