Ainda a turbulência vai no Adro

Quando na passada semana, contrariando a opinião de alguns comentadores, afirmámos que o chamado “efeito dominó” não estava afastado do cenário de crise que abala as economias dos países lideres do mundo capitalista e de outros países que dele fazem parte, estávamos conscientes que era uma hipótese eminente.                               

Quase à velocidade da luz e depois dos esperados rebentamentos das “bolhas financeiras”, deram-se uma série de episódios bem elucidativos da força da turbulência que ameaça desintegrar o sistema em que assenta a economia neoliberal.

Ao longo de anos, uma certa opinião, dita e projectada, como especializada na área económica e financeira, tem contribuído para o endeusamento do sistema reinante e das personagens de maior relevo do sector financeiro. Não é surpresa que tal aconteça, se olharmos com atenção para o percurso de muitos desses “especialistas”, verificamos que uma grande parte não resistiu à tentação de ocupar cargos bem remunerados nas diversas áreas do poder e nos sectores públicos e privados da economia e da finança.

Perante tais comportamentos, não é de admirar que haja quem, por esse mundo fora, os inclua na lista de responsáveis e coniventes da catastrófica situação em que o sistema está mergulhado, pese embora, demonstrarem uma notável capacidade de adaptação, saltando da carruagem e metamorfoseando-se em críticos do que antes defendiam. São os trapaceiros do costume, a “darem às de Vila Diogo”!

A semana passada interrogámos se a solução para “salvar” o Lehman, passava por mais uma nacionalização do governo dos EUA, a exemplo das realizadas com o Freddie Mac e o Fannie Mae. Não foi o que aconteceu, o governo de Bush optou por deixar cair a hipótese e o caminho foi a falência do quarto maior banco dos EUA, com a desculpa do sistema ter que se regenerar a si próprio! Mas, como o “mundo é um manicómio” e está sempre pregar partidas…pimba, apareceu mais um caso. E que caso! Era só, a maior seguradora do mundo, a AIG, com clientes em Portugal, principalmente títulos de reforma. Como afinal, o sistema não se regenera nem se regula a si próprio, como já vão admitindo…não restou outra alternativa, o governo dos EUA, via Reserva Federal, nacionalizou a AIG por 85 mil milhões de dólares, aumentando a factura que os cidadãos americanos vão ter que pagar. Mais, a Merrill Linch é salva da extinção pelo Bank of América. Enquanto o BCE, a Fed e os bancos centrais do Canadá, Japão, Inglaterra e Suíça injectavam cerca de 180 mil milhões de dólares, assistia-se a várias concentrações de bancos, com o Lloyds a anunciar a compra do banco HBOS. 

Já há quem exija a responsabilização dos gestores (até que enfim), pela acção delirante e aventureira como lidaram com o dinheiro dos outros e pelo estado calamitoso em que deixaram as instituições que dirigiam.

Claro, que o resultado dos imaginativos inventores do que, eufemísticamente, chamam “produtos financeiros”, realizando dinheiro com dinheiro dos outros, nada produzindo, transformando numa “lotaria” de alto risco, as economias e o futuro de muitos cidadãos, tinha, mais tarde ou mais cedo, que dar nos desastrosos resultados que atolaram as instituições, a economia de muitos países e milhões de pessoas.

O que muitos desconhecem é que os gestores destas máquinas infernais aplicam um sistema de prémios, consoante os lucros, embolsando além dos fabulosos salários, bónus milionários, correndo altos riscos em complexas engenharias financeiras para aumentar os seus próprios proveitos…

Para melhor perceber as implicações perversas que tal sistema contém, basta lembrar que o Lehman “obteve” lucro recorde em 2007 e agora está falido!

Pergunta-se e é caso para isso, se de facto os lucros eram os divulgados ou eram fruto de engenhosas manobras financeiras, levadas a cabo por quem, ora está nas empresas, ora está em governos onde também aplicam a sua fértil e rentável (para eles) imaginação.

A divulgação dos fabulosos prémios recebidos pelos gestores das instituições apanhadas pelo rebentamento das “bolhas”, está a causar forte polémica

Ironia das ironias, agora até nos meios mais conservadores se aceita que o Estado continua a ser um instrumento essencial para introduzir estabilidade na economia.

Dizer o que vem aí, não é tarefa fácil. Nem os especialistas se atrevem. Já se fala que o modelo está esgotado, que vêm aí novos modelos e uma nova era. Outros dizem que a era do capitalismo de mercado livre parece estar a dar lugar a outra coisa qualquer.

Uma coisa é certa, o capitalismo revela-se incapaz de resolver os problemas do nosso tempo. Convém lembrar, que há mais vida para além do capitalismo.

Carlos Vale - Membro da DORCB do PCP