1. A proposta de lei reorganização administrativa aprovada pelo Conselho de Ministros a 2 de fevereiro mantém, ao contrário do que se procura fazer crer, o essencial dos objetivos fixados pelo governo: a liquidação de 1/3 das freguesias hoje existentes.
Acobertada na ideia de um alegado recuo (traduzido na alteração dos critérios que constavam da versão inscrita no Livro Verde) o que a proposta agora aprovada visa é, não apenas a reafirmação dos objetivos que o governo prossegue mas, de facto, a consagração de um projeto ainda mais grave e perigoso.
2. Como desde o primeiro momento alertámos nesta Assembleia, a questão decisiva a que se tem de dar combate não reside nos critérios, mas sim nos objetivos. Posicionamento que conduziu à orientação, comprovadamente justa, de recusar um debate aprisionado na bondade ou coerência dos critérios (distâncias, população, tipologias, etc) e de nos fixarmos na denúncia dos objetivos e consequências da ofensiva do governo, ou seja:
Empobrecimento democrático (traduzido na redução de mais de 20 mil eleitos); Ataque ao emprego público (milhares de trabalhadores das freguesias extintas cujo destino futuro será o despedimento ou a mobilidade); Enfraquecimento da afirmação, defesa e representação dos interesses e aspirações das populações que a presença de órgãos autárquicos assegura – cuja consequência será a do aprofundamento das assimetrias e perda de coesão (territorial, social e económica), o abandono ainda maior das populações, o acentuar da desertificação e da ausência de resposta aos interesses populares e à satisfação das suas necessidades.
3. A proposta do governo, para a concretização dos mesmos objectivos, substitui agora o conceito de «critérios» pelo de «parâmetros». À luz deste documento:
i) fixam-se quotas de redução que obrigatoriamente têm de ser concretizadas, e que variam entre os 50% e os 55% para as freguesias existentes em «malha urbana» e entre os 25% e os 35% para as outras (em qualquer dos casos conforme se localizem em municípios de nível 1, 2 ou 3).
ii) Atribui-se a “competência” para decidir em concreto sobre a redução às assembleias municipais ou, dito com mais rigor, convidam-se os órgãos municipais a serem promotores diretos da liquidação de freguesias em obediência ao que o governo previamente estabeleceu e determinou;
iii) Cinicamente, atribui-se às assembleias de freguesia o poder de emitir pareceres que «quando conformes com os princípios e os parâmetros definidos no presente diploma»(!), devem ser ponderados pela assembleia municipal, ou seja pareceres que só contam se corresponderem a certidões de óbito adoptadas por iniciativa própria.
Com esta nova proposta todas as freguesias (e não apenas as que cabiam nos critérios anteriores), passam agora a ser teoricamente elimináveis. A “competência” dada aos órgãos municipais – denominada de «pronúncia» no texto do diploma – é meramente teórica, dado que a decisão que viessem a tomar só seria levada em consideração se correspondesse aos objectivos de redução previamente decididos pelo Governo. A «pronúncia» a efetuar nos 90 dias subsequentes à aprovação da lei pela Assembleia da República, será examinada por uma “Unidade Técnica” criada no parlamento e poderá ser recusada caso não concretize os objetivos determinados. Nessas situações será esta comissão técnica que estabelecerá a nova organização administrativa dando mais 15 dias à assembleia municipal para se pronunciar de novo, e se o entender, apresentando projeto “alternativo” mas (desde que coincida naturalmente com os objetivos do governo).
Processo que se procura sustentado num processo de chantagem – direito a bónus de 15% de majoração para as freguesias “agregadas” – que o Governo, e os partidos que apoiam a liquidação das freguesias, procurarão usar como elemento de pressão com base no cínico argumento de quem não se conformar com o processo não o impede, acaba extinto e condena as que vierem a ser agregadas no seu território a perder os 15% de majoração (válida para um mandato). Para lá do que política e eticamente este expediente representa, a verdade é que sendo (como parece claro do texto e do que já foi declarado) a majoração das liquidadas compensada à custa das que persistem, o saldo dos montantes disponíveis no território de um município não terá significativa diferença.
4. Os argumentos usados para justificar esta ofensiva são falsos.
Ao contrário do «reforço da coesão» o que daqui resultará é mais assimetrias e desigualdades. Os efeitos dos processos de aglomeração são, como comprovadamente se conhece, adversos à coesão. Juntar os territórios mais fortes, mais ricos ou com mais população com os mais fracos ou menos populosos traduzir-se-á em mais atração para os primeiros (os que sobreviverão como freguesias) e mais abandono dos segundos (os que verão as suas freguesias liquidadas). Ou seja mais abandono, menos investimento local, menos coesão para quem menos tem e pode.
Em vez de «ganhos de eficiência e de escala» que resultaria da «libertação de recursos financeiros» o que se terá é menos proximidade e resposta directa aos problemas locais com menos verbas e menos recursos disponíveis. No seu conjunto, o nível freguesias da administração local terá, de facto, menos verbas (o pacto de agressão prevê novo corte em 2013 dos montantes a distribuir ao poder local), as chamadas majorações (de 15%) para as freguesias “agregadas” sairão do montante global do FFF, ou seja serão retiradas ao montante destinado ao conjunto das freguesias; e mesmo as prometidas novas competências próprias das freguesias seriam construídas financeiramente à custa das verbas dos municípios.
Em vez da enunciada «melhoria da prestação dos serviços públicos» proclamada no preâmbulo da proposta, resultarão centenas de novos territórios, muitos deles distantes dezenas de quilómetros da sede das novas freguesias, desprovidos do único espaço de proximidade capaz de lhe dar resposta mínima a um conjunto de solicitações e necessidades.
5. Duas questões essenciais se colocam:
i) O desenvolvimento das acções de luta e de oposição de cada uma das freguesias com base no esclarecimento e mobilização das populações, como já está a acontecer com movimentos nacionais de freguesias a nascerem pelo país e pela posição da ANAFRE assumida a 15 de fevereiro, quando deliberou promover um encontro nacional a 10 de Março.
ii) Assegurar, no maior número de concelhos, a recusa por parte dos órgãos municipais do seu envolvimento num processo que não só contribuiria para reduzir a resistência e o protesto, como faria deles cúmplices dos objectivos do governo, promotores diretos da liquidação das freguesias e fatores de libertação e ilibação, de facto e na prática, das responsabilidades políticas do governo.
Se houver coerência no procedimento desta Assembleia, que estamos em crer que existirá, corroborada certamente pela posição assumida na Câmara e neste órgão pelo seu Presidente, esta Assembleia só terá uma saída: repudiar esta nova proposta sob a forma de travesti do governo.
O presidente da Junta de Freguesia da Boidobra,
José Pinto Almeida