Declaração de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP
Passa hoje um mês desde os incêndios que, a 15 de Outubro, destruíram cerca de 200 mil hectares da floresta portuguesa, deixando um rasto trágico em inúmeros concelhos do centro e norte do País, culminando um Verão negro de incêndios.
Passam 30 dias desde que se somaram 45 mortes às 64 que em Pedrógão Grande expuseram as vulnerabilidades estruturais, nos planos do ordenamento florestal, alimentar, energético, dos serviços públicos e das estruturas do Estado.
Sem prejuízo do balanço mais exaustivo por parte das entidades competentes e, designadamente o Governo, devem apresentar com celeridade os relatórios essenciais para se avaliar o que correu mal na prevenção, na detecção e no combate aos incêndios, ao nível dos meios materiais e humanos e das operações de comando, o PCP considera que um mês depois é já tempo de fazer alguns balanços e de olhar para o futuro.
Desde a primeira hora, o PCP sinalizou que o tempo imediato aos fatídicos acontecimentos de Pedrógão Grande, aos incêndios do Pinhal Interior, ou aos incêndios de 15 e 16 de Outubro devia ser dedicado ao apoio às vítimas, ao seu acompanhamento nos planos social, psicológico e de saúde, à garantia de habitação aos que perderam as suas casas, à recuperação do potencial produtivo perdido e de actividades económicas, pelo que volta a sublinhar que o Governo deve tomar a iniciativa de estender a todos os concelhos afectados, a aplicação da Lei de Apoio às Vítimas, aprovada na Assembleia da República com base numa iniciativa do PCP e promulgada na passada semana, assim que esta seja publicada.
O PCP chama vivamente a atenção para os atrasos que se sentem no terreno, com alguns dos atingidos sem terem tido ainda qualquer contacto de entidades oficiais, para a confusão reinante, por exemplo, com a coexistência de duas declarações de prejuízos diferentes, cujo não preenchimento pode vir amanhã a excluir alguns candidatos a ajudas, ou para a ausência de respostas em diversos planos.
Sendo certo que, ao nível da alimentação e do vestuário e da alimentação de gados e animais, as respostas superaram até as expectativas, na maioria do casos, no que às habitações diz respeito, há ainda um número reduzido de obras no terreno e todos os que perderam as suas casas, mesmo as de primeira habitação, continuam sem solução.
O PCP salienta que a reposição das habitações é o elemento essencial para a estabilização da vida de quantos se viram confrontados com este drama, pelo que é necessária a adopção de medidas excepcionais para assegurar a concretização das intervenções necessárias.
O PCP assinala ainda os sucessivos anúncios do Governo e de diversas entidades, sobre apoios e sobre a forma de os obter e sobre as discrepâncias entre sectores no acesso aos apoios.
Apenas como exemplo refira-se que os apoios agora anunciados são diferentes quer dos apoios atribuídos em Pedrógão Grande, quer do anunciado no Conselho de Ministros Extraordinário, ou que os apoios a atribuir a empresas não agrícolas são diferentes dos apoios a atribuir à Agricultura.
O PCP assinala ainda que os apoios para a área da Agricultura não correspondem às realidades concretas existentes no terreno.
O nível de burocracia exigido, com a obrigatoriedade de apresentação de projectos para apoios superiores a 1053€, sem o apoio adequado das estruturas do Ministério da Agricultura, totalmente esvaziadas de capacidade de realização de serviços de extensão rural pela redução de funcionários; os baixos montantes apoiados a 100% - apenas até 5000€ - e mesmo assim apenas para agricultores ditos “profissionais” - terminologia que não se sabe o que quer dizer; a obrigatoriedade de não ter dívidas à Segurança Social ou às Finanças; e a necessidade de ter meios para adiantar o financiamento dos projectos a realizar afastarão, inevitavelmente, muitos pequenos produtores de fazer novos investimentos, particularmente tendo em conta a média etária dos mesmos.
Acresce que nos apoios até agora anunciados, não estão previstas ajudas à perda permanente de rendimentos, o que colocará muitas dificuldades a milhares de agricultores. Note-se que no caso da perda de culturas permanentes, como a vinha ou o olival, não basta apoiar a reposição do potencial produtivo, é necessário compensar os produtores pela ausência de rendimentos durante vários anos.
Situação idêntica quando se trata de produtores de ovinos e com especial preocupação para a recuperação de ovelhas bordaleiras da Serra da Estrela, essencial para a produção de Queijo da Serra, raça que perdeu cerca de um quarto do efectivo, com sérios problemas para a sua reposição.
O PCP chama ainda a atenção para a necessidade de assegurar equidade na distribuição dos apoios, manifestando estranheza com os apoios dirigidos apenas a algumas organizações agrícolas, ou distribuídos através delas, como aconteceu no caso da apicultura.
O PCP sublinha que uma boa parte das dificuldades registadas decorre da situação de penúria com que estão confrontados os serviços do Ministério da Agricultura, depauperados em meios humanos e materiais por anos de política de direita de concretização do chamado Estado mínimo.
O “Estado mínimo”, que esteve na origem da dimensão dramática dos incêndios, com particular evidência no abandono a que o Pinhal de Leiria, bem como as restantes Matas Nacionais foram condenados, está bem patente nas Zonas Agrárias abertas apenas de 15 em 15 dias, por umas poucas horas, na ausência de viveiros do Estado capazes de fornecer agora as plantas autóctones para a reflorestação de muitas áreas ardidas, na incapacidade de organizar os parques de salvados/madeira ardida, previstos na Lei de Apoio às Vítimas, as dificuldades de intervenção imediata no terreno para intervenções em defesa dos solos.
O PCP, voltando a sublinhar que o que está hoje em causa, mais do que a necessidade de nova legislação que, ainda que possa ser melhorada, existe em abundância, são os meios, a vontade e a determinação em assegurar uma outra política para a floresta e para o mundo rural, com os apoios necessários à pequena e média agricultura, entregará amanhã, na Assembleia da República, propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2018, que visam dar corpo a essa política e colmatar a ausência de medidas visíveis na proposta do Governo.
15.11.2017