Intervenção do PCP na Sessão solene comemorativa dos
141 anos de elevação da Covilhã a Cidade
Estamos todos aqui, hoje, para comemorar os 141 anos de elevação da Covilhã a cidade. E como é natural, nas comemorações, menciona-se o que de mais excelso existe na nossa cidade e na sua história.
Por isso,
Nestas comemorações, não cabem os jardins por construir, nem as flores que nunca serão plantadas,
Como também não cabem as acessibilidades inacabadas ou perdidas, nem os equipamentos localizados nos sítios economicamente “errados”,
Não cabe o urbanismo ultrapassado que cá se pratica, que não promove o bem-estar da população nem o seu desenvolvimento como é devido numa cidade moderna,
Nestas comemorações, não cabem as crianças que faltam, nos parques infantis desatualizados, nem os lápis e cadernos que não lhes foram atribuídos,
Como não cabem as casas de banho decadentes, os refeitórios a fingir e o deficiente isolamento térmico das suas escolas…
Os que cá nunca nascerão, não cabem nas comemorações, nem os que partem todos os dias para encontrar longe, o que cá já não existe,
Não cabem os muito mais de 3 mil desempregados do concelho, nem as largas centenas de pessoas com trabalho precário e mal remunerado,
Não caberá com certeza, nas comemorações, a sopa dos famélicos nem a necessidade de existir um banco alimentar, nem as famílias em vias de estrangulamento financeiro e pobreza, devido aos cortes orçamentais impostos pelo governo,
Também não cabem os jovens licenciados da Universidade que não se fixam na região, diminuindo assim a esperança de crescimento e desenvolvimento, por a cidade, lato sensum, não os conseguir cativar enquanto cá estudaram, nem oferecer oportunidades de futuro,
Como não cabem as estações postais dos CTT que encerrarão, nem as freguesias que o deixarão de ser, nem as scut que não deveríamos pagar,
O preço da fatura da água privatizada, não cabe nas comemorações, preço esse, que ultrapassa, em muito, aquilo que são as recomendações da OCDE sobre o peso percentual máximo de referência (3%), que o pagamento deste serviço essencial deve ter no orçamento familiar das pessoas,
Os idosos sem recursos para ir à farmácia, ou sem transporte para irem aos tratamentos médicos, aqueles que morrem sós, de certeza que não cabem nestas comemorações,
Como também é impossível caber o património histórico e industrial perdido,
A lã também já não cabe nas comemorações, faltam as mãos que a trabalham, as paredes que a guardam e as máquinas que a transformam, Afinal, nas comemorações parece até nem caber …a própria Covilhã,
só cabe um holograma de cidade, construído por homens sem olhos e mulheres cegas (quase nenhumas, em abono da verdade), Mas, … as comemorações também podem ser de futuro,
comemoremos então o futuro da Covilhã,
O futuro, esse, ainda pode ser diferente,
Um futuro onde todos possam caber.
Viva a esperança na construção de um futuro melhor!
Viva a Covilhã!
Esta intervenção teve como referência o poema “Não há vagas” de Ferreira Gullar, vencedor do Prémio Camões 2010.