Esta reforma da administração local não serve o País.
Não serve porque diminui e espartilha o exercício da cidadania no poder local.
Não serve porque desvirtua o municipalismo e todo o legado histórico-cultural que este tem na sociedade portuguesa, desde os primórdios da nacionalidade.
Não serve porque acaba com a proximidade do cidadão à sua Junta.
Não serve porque vira do avesso o padrão e a matriz democrática da constituição dos órgãos autárquicos.
Não serve porque mata a democracia local.
Não serve porque vai prejudicar Portugal.
Não serve porque apenas se rege pela lógica da diminuição de custos que a Troika impõe e o governo aceita de joelhos.
E, nenhuma reforma, deve e poderá ser feita à luz de candeias… às escuras ou de joelhos!
Intervenção na Assembleia Municipal da Covilhã
A Reforma Administrativa do Poder Local tal como é brevemente escalpelizada no Documento Verde, constitui, no mínimo, um golpe duríssimo ao municipalismo e um ferimento de morte à proximidade. Não se vislumbrando em nenhum parágrafo do documento uma única nota que, como é dito pelos autores, denuncie o “reforço saudável do municipalismo”. Também não se consegue descortinar qual é o tal “futuro que garante” e, claro, se esse futuro garantido pela Troika interessa aos portugueses.
Nunca a proximidade do cidadão com o seu município, aliás própria das sociedades alicerçadas na partilha conjugada de interesses comuns, como é o caso da portuguesa, foi tão agressivamente posta em causa. Nem a Reforma Municipal liberal de Mousinho da Silveira afrontou tanto o pluralismo dispersivo tradicional no nosso País, como a que está presente no Documento Verde.
A cidadania é, em si mesma, a essência mais nobre do municipalismo. Desenvolver o poder local democrático é preservar, ou mesmo incentivar, a participação do cidadão na vida da sua comunidade, adaptando-a às exigências da época presente e ao que se deteta que venha a ser o futuro. Com o poder local democrático institucionalizado no 25 de abril, caminhou-se para um reencontro e aprofundamento do espírito do municipalismo que tinha sido residual no tempo do Estado Novo. De facto, após o 25 de abril, o cidadão ficou mais próximo da sua comunidade, usufruindo da possibilidade de participar e interferir na sua vida, podendo evitar a má gestão do património urbanístico, cultural e ambiental, numa lógica de serviço público deixando para as gerações futuras um legado mais rico que não tivesse sido delapidado.
A Lei portuguesa regulamentadora do regime do Poder Local assenta no Primado da cidadania sobre o poder económico. E é precisamente este poder económico que está a ditar a morte do poder autárquico, tal e qual como todos aqui o conhecemos e ajudamos a construir, ao longo do exercício da democracia.
Se não, veja-se:
Eixo 1 – Setor empresarial local
Parece que o que está em causa não é se estas entidades são úteis ou, pelo contrário, danosas para as populações. O que está em cima da mesa, posta pela Troika, é a necessidade de reduzir o seu número com base em objetivos de liquidez e não de pertinência ou utilidade para o município. Como se o Serviço Público se avaliasse exclusivamente por uma questão de liquidez. Claro que a criação e multiplicação de entidades empresariais locais é da responsabilidade de PS, PSD e CDS. Estas opções, nas mãos destes partidos, parecem ter tido sempre como objetivos fugir ao controlo democrático, criar e alimentar as clientelas políticas e abrir caminho à privatização de serviços. Veja-se o exemplo das águas da Covilhã, onde a privatização foi de 49%.
O que o governo, sob a égide da Troika, pretende agora com as alterações propostas, não é criar condições para que os municípios reassumam essas funções, mas por via dos maus exemplos, atacar genericamente toda a gestão pública, fomentar novas áreas de negócio e atirar milhares de trabalhadores para o desemprego, incluindo no futuro próximo os trabalhadores requisitados, ou seja, aqueles que pertencem aos quadros dos municípios e desempenham funções nestas entidades em regime de cedência.
Eixo 2 - Organização do território
Está escrito no documento verde que esta reorganização/reestruturação do mapa autárquico será uma forma de reforço da prestação do serviço público e aumento da eficiência. Pergunta-se: como? Se se perdem 44% das freguesias do País? (segundo dados da ANMP) Só no concelho da Covilhã estima-se uma perda de 29% das freguesias, passando das atuais 31 para 22, ou seja, perdem-se 9 freguesias. Como é que se pode reforçar a atuação e as competências numa freguesia que foi extinta? Por muito que a escala aumente por via da agregação, a proximidade da população à Junta perde-se inexoravelmente. Aliás, o municipalismo não acaba no respeito pela identidade, toponímia, história e cultura de uma freguesia, o poder local democrático implica proximidade e cidadania e é justamente estas duas premissas que este documento preconiza liquidar. Fiquem as placas toponímicas… Mas acabe-se com o exercício plural do municipalismo! Pensa a Troika… E o governo que se diz dela refém.
Eixo 3 – Gestão municipal, intermunicipal e financiamento.
Mais uma vez aqui, neste eixo, a lógica da liquidez, ou melhor, reduzir ao miserabilismo o financiamento e a gestão das autarquias. Correndo-se por esta via, o grave e grande risco de se agudizarem as diferenças entre municípios do litoral e do interior. Não se reforçando, desta feita, a Coesão Nacional e a promoção da Solidariedade Inter-Regional como falsamente é referido como apanágio no documento ora em análise. Aguarde-se então os resultados dos projetos-piloto.
Eixo 4 – Democracia local
Constata-se que este é o eixo “no sense” do documento verde. Isto é, como é que uma reforma da Administração Local que visa quase exclusivamente a redução de custos, declaradamente assumida no documento verde, pode reforçar e aprofundar a democracia local? A Democracia não é um sistema barato, tem custos … mas estes custos, obviamente, traduzem-se em futuro melhor e presente digno.
Não se compreende em que é que a diminuição do número de vereadores vai acrescentar à democracia local. Vai, muito provavelmente diminuir a qualidade do funcionamento das autarquias. Assim como a redução do número dos dirigentes municipais poderá engrossar os números da mobilidade e do desemprego… Isto é aumentar a democracia local?
Não é compreensível como é que a diminuição do número de deputados municipais vai aumentar a democracia local. Entende-se, aliás, que diminuindo o número de deputados municipais, amputa-se o pluralismo e a representatividade que é padrão e riqueza do poder local português. Desta forma, fica sim, diminuída e posta em causa a democracia local.
Não se entende como é que não elegendo diretamente o executivo da Câmara, se está a promover a democracia local. Então não é um exercício democrático e de liberdade eleger diretamente o presidente e vereadores das câmaras municipais? As eleições autárquicas são aquelas em que a percentagem de abstenção é a menor, 41% em 2009 e contando com os “eleitores fantasma” segundo a CNE. Então perante o exercício de voto mais participado, vai-se pura e simplesmente acabar com ele? Onde encaixa aqui a democracia local?
O País precisa é da Regionalização, essa sim, seria a reforma necessária ao desenvolvimento de Portugal.
Esta reforma da administração local não serve o País.
Não serve porque diminui e espartilha o exercício da cidadania no poder local. Não serve porque desvirtua o municipalismo e todo o legado histórico-cultural que este tem na sociedade portuguesa, desde os primórdios da nacionalidade.
Não serve porque acaba com a proximidade do cidadão à sua Junta.
Não serve porque vira do avesso o padrão e a matriz democrática da constituição dos órgãos autárquicos.
Não serve porque mata a democracia local.
Não serve porque vai prejudicar Portugal.
Não serve porque apenas se rege pela lógica da diminuição de custos que a Troika impõe e o governo aceita de joelhos.
E, nenhuma reforma, deve e poderá ser feita à luz de candeias… às escuras ou de joelhos!