O Comité Central do PCP reunido, a 21 de Fevereiro de 2016, procedeu à análise da situação política e apreciou aspectos da actividade, reforço e iniciativa política do Partido e da luta de massas.
I – Portugal não está condenado ao declínio
1. A situação nacional e internacional tem sido marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo.
Apesar da intensificação da ofensiva do grande capital contra os direitos dos trabalhadores e dos povos, da rapina de recursos nacionais, da mercantilização e privatização de diferentes dimensões da vida económica e social, da intervenção dos Estados em centenas de bancos com entrega de vultuosos recursos públicos, de novos desenvolvimentos nos mecanismos especulativos e na financeirização da economia, da usurpação do direito à soberania dos povos, das pressões, ingerências e agressões aos que questionam a vontade e o poder dos monopólios e do imperialismo, visando recuperar perdas, intensificar a exploração e obter novos lucros, o facto é que não só permanecem como se avolumam e agudizam as expressões no plano económico e social da crise estrutural do capitalismo à escala global.
Crise estrutural do capitalismo que, no continente europeu e particularmente na União Europeia, – como revelou a última reunião do Conselho Europeu –, continua a exprimir-se na degradação da situação económica e social, no avolumar de contradições com elementos de desagregação de que é exemplo a posição do Reino Unido na União Europeia (o chamado caso Brexit), na instabilidade no sector bancário, no aprofundamento das assimetrias entre as principais potências da União Europeia e os países da chamada periferia.
2. Os últimos anos em Portugal representaram um profundo retrocesso económico, social e democrático. A acção do Governo PSD/CDS, no seguimento de décadas de política de direita da responsabilidade de PS, PSD e CDS, agravadas pelos PEC e pelo Pacto de Agressão, levou onde ainda nenhum outro governo tinha levado desde os tempos do fascismo a política de exploração e empobrecimento ao serviço dos monopólios conduzindo o País a uma dramática situação. O desemprego, a emigração, a pobreza, o cerrado ataque a direitos e conquistas dos trabalhadores e do povo, o roubo nos salários e noutros rendimentos, a destruição de postos de trabalho e a degradação de serviços públicos, o saque dos recursos nacionais – por via do serviço da dívida, das privatizações, da destruição de capacidade produtiva –, a inteira submissão às imposições da UE, do BCE e do FMI, enfrentaram uma intensa resistência e luta dos trabalhadores e do povo português que acabaria por impor nas eleições de 4 de Outubro a derrota de PSD e CDS e dos projectos mais imediatos do grande capital a eles associado.
3. A possibilidade encontrada, pela derrota do Governo PSD/CDS e pela nova correlação de forças na Assembleia da República, de abrir caminho à recuperação de direitos e rendimentos roubados, tem enfrentado uma violenta ofensiva política e ideológica, na qual avulta o recrudescimento da campanha dirigida contra o PCP e o seu papel na defesa e afirmação dos direitos dos trabalhadores e do povo. Forças associadas ao capital transnacional, suportadas no plano interno no PSD, no CDS e nos círculos mais reaccionários da sociedade portuguesa e no plano externo nas instituições da União Europeia e noutras estruturas ao serviço do capital monopolista, têm recorrido a uma intensa operação de ingerência, chantagem e pressão para procurar impor a submissão e a rendição aos seus objectivos e à sua política de extorsão nacional. Apesar das contradições e insuficiências da actual situação, o que esses sectores não conseguem tolerar são medidas que ainda que de forma tímida e vacilante se distanciem do rumo político de declínio, exploração e empobrecimento que constitui a sua agenda e que tinham como objectivo prosseguir e aprofundar.
II – Uma nova fase na vida política nacional – responder a aspirações e interesses mais imediatos do povo português
1. Na actual fase da vida política nacional, no seguimento de um longo processo de luta de massas, com a nova correlação de forças existente na Assembleia da República, a acção do governo no quadro das posições conjuntas entretanto assinadas, estão reflectidas por iniciativa e intervenção do PCP medidas e disposições que dão resposta a problemas mais imediatos do povo português e que são em si mesmo prova de como o País não está condenado ao caminho da intensificação do retrocesso e empobrecimento.
2. Nos últimos meses, foi possível travar a concessão e privatização das empresas de transportes terrestres de passageiros; alterar o regime de protecção de invalidez; revogar medidas lesivas da dignidade dos professores e adoptar formas de avaliação para a melhoria do sucesso e aprendizagem escolar; repor os complementos de reforma aos trabalhadores das empresas do Sector Empresarial do Estado; proteger a morada de família face a penhoras decorrentes de execuções fiscais; repor os feriados retirados.
Foi também possível, ainda que aquém das propostas defendidas pelo PCP, deixar de serem aplicados cortes salariais aos trabalhadores da Administração Pública; assegurar a redução da sobretaxa do IRS, na base da progressividade, e a sua eliminação em 2017; abrir caminho para a reposição e fixação do horário de trabalho nas 35 horas na Administração Pública; aumentar o Salário Mínimo Nacional, fixando-o em 530 euros, ainda aquém dos 600 Euros que o PCP propõe.
Avanços e progressos que importa valorizar e consolidar, sem esquecer, contudo, opções de fundo associadas à política de direita e que levaram a que o PS tenha dado continuidade a processos que colidem com o interesse nacional como os do BANIF, da CP Carga, da TAP ou do financiamento do patronato por via da descida da TSU.
3. Na resposta à actual situação, o PCP tem intensificado a sua iniciativa política designadamente com um conjunto de propostas apresentadas na Assembleia da República para: o combate à precariedade; a revogação do regime da requalificação na Administração Pública; a suspensão dos aumentos das rendas e dos despejos no regime da renda apoiada; o acesso dos médicos ao internato; a reversão da entrega de hospitais às Misericórdias; a eliminação de portagens; a contratação de bolseiros de investigação científica; a contratação efectiva com vínculo público de docentes do Ensino Superior; a defesa do carácter público da água. Propostas a que se acrescentarão em breve outras iniciativas legislativas, nomeadamente para a aplicação progressiva do horário de trabalho das 35 horas a todos os trabalhadores, para a integração do Novo Banco no sector público bancário e para o desenvolvimento de um processo de renegociação da dívida.
4. A nova fase na vida política nacional conhece agora, com a apresentação e avaliação da proposta de Orçamento do Estado para 2016, um momento não pouco importante decorrente dos desenvolvimentos políticos que após 4 de Outubro asseguraram a derrota do governo PSD/CDS.
O Comité Central do PCP sublinha que o Orçamento do Estado para 2016 é um documento da responsabilidade do governo do PS. O facto de poder, ou dever, vir a expressar os compromissos que o PS assumiu no quadro das Posições Conjuntas não altera essa matriz essencial. Transporta em si todas as limitações e possibilidades expressas no grau de convergência alcançado e dos compromissos que lhe puderam corresponder. O Orçamento do Estado transporta as contradições inerentes à procura, não alcançável, de responder de forma consistente e coerente a uma inversão da política de exploração e empobrecimento e, simultaneamente, dar cumprimento às regras, imposições e condicionamentos externos, sejam eles o da submissão ao Euro, ao pacto de estabilidade, ao Tratado Orçamental ou a uma dívida insustentável.
A inexistência de resposta estrutural ao problema da dívida, os baixos níveis de investimento público, as opções de agravamento de impostos indirectos que recaem de forma mais generalizada sobre os portugueses, nomeadamente o aumento do imposto sobre os combustíveis, a insuficiente tributação do grande capital e do património mobiliário, são expressões dos limites e insuficiências deste orçamento e das opções nele assumidas.
5. A proposta de Orçamento do Estado, não sendo aquela que o País precisa, abre no entanto a possibilidade, que não deve ser subestimada, de repor direitos e rendimentos, travar parte da destruição e melhorar o funcionamento de serviços públicos, progredir, ainda que timidamente, na taxação dos grupos económicos, resistir às inaceitáveis ingerências por parte da União Europeia.
Contrariamente ao rumo imposto nos últimos anos e aos projectos que PSD e CDS assumiam e que estariam em curso – designadamente a manutenção dos cortes salariais pelo menos até 2019; o ataque e destruição das funções sociais do Estado (de que é exemplo o corte previsto de mais de 600 milhões de euros nas reformas e pensões); o prosseguimento das privatizações como as da STCP, da CARRIS ou do Metro; o favorecimento fiscal do grande capital, nomeadamente por via da redução do IRC para 17%; a intensificação da exploração dos trabalhadores com novas alterações à legislação laboral –, a proposta de Orçamento do Estado dá expressão a medidas positivas já aprovadas e contém sinais de sentido inverso que permitem continuar a discutir e concretizar medidas positivas que respondam a legítimas aspirações dos trabalhadores e do povo.
A proposta de Orçamento do Estado, em cujas medidas positivas o PCP teve um papel determinante, permite concretizar: a redução das restrições à contratação na Administração Pública, em particular na Administração Local; dar um primeiro passo para o combate à precariedade na Administração Pública com o levantamento das situações de contratação precária existentes; o fim da isenção dos fundos imobiliários em sede de IMI; o avanço na redução do IVA para 13% na restauração; o aumento da Contribuição do Sector Bancário; medidas para uma mais justa tributação dos lucros, nomeadamente com alguma limitação de isenções fiscais e redução dos prazos para reporte de prejuízos; a introdução de deduções fiscais por filhos ou ascendentes em sede de IRS e a actualização da tabela de escalões deste imposto; o alargamento das deduções de despesas por deficiência; a introdução da cláusula de salvaguarda do IMI; a contratação de médicos de família que estão em falta recorrendo à contratação de 700 jovens médicos em formação entre 2016 e 2017 e a contratação temporária de médicos aposentados; a garantia de contratação dos médicos que não tiveram vaga para aceder ao internato; as alterações de sentido positivo relativamente às taxas moderadoras; a contratação de doutorados no Sistema Científico e Tecnológico Nacional sem sujeição a faseamento.
Além disso, a proposta de Orçamento traduz outras medidas já aprovadas relativamente a reposição de salários, eliminação da sobretaxa de IRS, descongelamento das pensões, aumento ou majoração de prestações sociais do abono de família, do Rendimento Social de Inserção, do Complemento Solidário para Idosos ou do Subsídio por Assistência de terceira pessoa.
Entre outras medidas, o PCP bater-se-á, ainda ao longo da discussão do Orçamento, para alcançar a introdução progressiva da gratuitidade dos manuais escolares, impedir o aumento do valor das propinas, melhorar o subsídio social de desemprego, avançar na redução da taxa máxima do IMI, baixar a contribuição dos trabalhadores para a ADSE e para outros sub-sistemas de saúde públicos, diminuir a carga fiscal às MPME, aumentar o valor das reformas e pensões.
E, simultaneamente, o PCP não deixará de combater, medidas de carácter negativo inscritas na proposta como, entre outras, a manutenção em 2016 dos montantes de participação das autarquias nas receitas do Estado, a manutenção de restrições impostas aos trabalhadores e serviços da Administração Pública e Sector Empresarial do Estado com impacto nos seus rendimentos, vínculos, progressões e outros direitos, as concessões da Silopor e da IP Telecom.
6. O Comité Central do PCP não pode ainda deixar de assinalar o quadro inaceitável de chantagem, pressão e ingerência que foi direccionado contra o Orçamento do Estado a partir da Comissão Europeia, das agências de rating e dos centros do grande capital e que revela o inconformismo destes sectores com um caminho, ainda que limitado, de inversão do rumo de exploração e empobrecimento que o Governo PSD/CDS impôs nos últimos anos.
A campanha movida nas últimas semanas contra a proposta de Orçamento do Estado, explorando os seus limites e contradições, que são inseparáveis aliás das próprias opções do PS, não resulta do chamado interesse nacional ou da preocupação com o rigor e credibilidade das contas públicas e, muito menos, de preocupações sociais em torno dos rendimentos e da carga fiscal sobre a população. Por detrás desta campanha, cuja promoção envolve o PSD e o CDS que se articulam com os interesses dos grupos económicos e com as orientações e estruturas da União Europeia, está, para lá do espírito revanchista de quem viu derrotados os seus projectos para aprofundar a exploração e empobrecimento, o receio dos resultados e do exemplo da própria luta dos trabalhadores e das populações que estão a tornar possível a reposição desses direitos e rendimentos que foram roubados.
7. O voto favorável ao Orçamento do Estado que o PCP assume na sua votação na generalidade é inseparável da avaliação quanto ao seu enquadramento, desenvolvimento e repercussões políticas e dos elementos positivos que registamos na proposta de Orçamento e que, ainda que com um alcance limitado, podem dar resposta a problemas imediatos e a expectativas dos trabalhadores e do povo português. E envolve simultaneamente a determinação e o empenho para que o Orçamento possa corresponder, também em sede de especialidade, o melhor possível a essas aspirações e expectativas.
III – Uma política patriótica e de esquerda – objectivo que se impõe
Os primeiros meses do governo PS, as medidas e decisões tomadas entretanto, a própria proposta de Orçamento do Estado que está em apreciação revelam, como sempre afirmou o PCP, que o rumo de desenvolvimento soberano, progresso social e criação de emprego de que Portugal precisa exige não só a ruptura com as imposições da União Europeia e outros constrangimentos externos, mas também a ruptura com décadas de política de direita e com os interesses do capital monopolista que domina o País.
Se há aspecto que resulta da apreciação destes meses, e sem prejuízo dos desenvolvimentos positivos para o povo e o País, é o carácter limitado da actual solução política e a necessidade de continuar a intervir e a lutar para dar cada vez mais força a uma verdadeira política alternativa, a política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo português.
Uma política que: assuma a necessária renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes; assegure o controlo público da banca (onde se deve incluir desde já a manutenção do Novo Banco enquanto banco público); prepare o País para a libertação da submissão ao Euro; responda à necessidade de aumentar salários, reformas, pensões e outros rendimentos dos trabalhadores e das camadas populares; valorize o trabalho e os direitos dos trabalhadores; tribute de forma firme e adequada o grande capital; relance o investimento público, centrado na defesa e estímulo da produção nacional; promova os serviços públicos; defenda e garanta a soberania nacional face a imposições e constrangimentos externos, e liberte o País do rumo de integração capitalista da União Europeia.
A concretização de uma política alternativa patriótica e de esquerda, sendo inseparável da consolidação de todas as medidas positivas entretanto alcançadas e do combate a todas as medidas negativas e aspectos e orientações da política de direita que entretanto prevalecem, requer simultaneamente como elementos determinantes o alargamento da intervenção e da luta dos trabalhadores e das populações e um cada vez mais largo apoio ao PCP, às suas propostas e iniciativa políticas.
IV – Reforçar o Partido, intensificar a iniciativa política, desenvolver a luta
Face a um quadro nacional e internacional cada vez mais complexo e exigente, onde enormes perigos e ameaças convivem com a possibilidade de resistir, lutar e derrotar a actual ofensiva, o PCP confirma-se como uma força indispensável aos trabalhadores e ao povo português e insubstituível no processo de transformação social de que o País precisa.
O reforço do PCP, num ano em que realizará o seu XX Congresso nos dias 2, 3 e 4 de Dezembro, constitui um objectivo e uma necessidade na qual os membros e organizações do Partido se devem empenhar. A luta pela defesa, reposição e conquista de direitos assume-se como uma opção indispensável para melhorar as condições de vida, defender o País e abrir caminho à ruptura com a política de direita.
Confiante nas suas próprias forças e intervenção, seguro do seu percurso de 95 anos de luta, o PCP reafirma o seu compromisso com os trabalhadores e o povo português pela concretização de uma democracia avançada assente nos valores de Abril, parte inseparável da luta pelo socialismo e pelo comunismo.